25 de jan. de 2011

Cebola

Tenho parado pra pensar no que somos uns pros outros.
O que eu sou pras pessoas ao meu redor, para os transeuntes e viventes.
Para uns sou filha, irmã, sobrinha, prima. Para outros sou colega de trabalho, sou amiga, semi-conhecida. Sou aquela que espera no ponto de ônibus com os fones de ouvido indissolúveis. Sou menina, sou mulher, sou chata e neurótica, sou necessária e admirável, sou dispensável, sou saudade... pra cada um sou o que me mostro ser. Naquele contexto, naquele momento.
E pra mim mesma? Sou cada hora uma coisa, ou sou tudo junto, agora?
Talvez pouca gente saiba o que eu sou pra mim. Talvez eu só saiba de vez em quando. Pode ser que às vezes eu tenha certeza, ou que eu mude como o dia.
E o que é você pra mim?
Você é aquela imagem que eu construí. Com os tijolos que você me deu ou com os alicerces que eu inventei. Você é aquilo que eu achei que fosse. Mas também é aquilo que eu não sabia ser.
Você é o que se mostrou pra mim. Mas os outros de você são uma infinidade que eu não poderia alcançar.
Agora que conheci um outro seu, aquilo que eu pensava já mudou. Se eu conhecesse um terceiro de você, mudaria de novo e de novo.
Nada é sólido. Nem mesmo o que você representa pra mim.
Acho que conviver é isso. É ir abrindo espaços pra que o outro mostre seus outros e os apresente quando for conveniente ou quando escaparem pelos dedos apertados. É ir mostrando e botando pra fora quantas mil pessoas podemos ser. O quanto cabe dentro de cada um. Quantos somos a cada dia, a cada roupa, a cada novo.
Hoje uma definição de você se transformou no meu imaginário. Hoje quem eu sou pra você também mudou diante disso. Agora sinto saudade da imagem antiga. E tenho muita lucidez dentro de mim.
Viver é estar confuso. Sobretudo quando começamos a entender os processos.
Mas a vida se encarrega.

16 de jan. de 2011

A louca do jardim

(Texto de Tati Bernardi)

Pra onde vai o amor? De manhã eu preciso buscar um remédio pra minha mãe, depois tenho pilates e às 11 em ponto preciso estar na agência pra decidir um roteiro de vídeo para uma apresentação interna que o cliente vai fazer para a área comercial. Pra onde vai o amor? Quero aparecer na sua agência, subir as escadas correndo porque essa pergunta precisa ser feita de peito ofegante. Pra onde vai o amor? Você tem a apresentação de uma concorrência. E tem uma equipe, uma mesa, um lixo, um carro alto, um cabelo grande, um sobrenome importante, um quadro caro, uma ex namorada top model, dezenas de garotinhas apaixonadas. Pra onde vai o amor? Porque quando deitamos no chão da sua sala e você me perguntou "quanto tempo você demora pra dizer que ama?". Porque quando você me mandou aquele e-mail falando que dormiu bem quando me conheceu. Porque a gente estava tão nervoso no dia do Astor, Subastor. Porque eu tinha uma escova de dentes aí e você tinha uma escova de dentes aqui. Pra onde vai o amor? O que você fez com o seu? Deu descarga? O que eu faço com o meu? Dai eu te ligo, escondida no jardim da agência que eu trabalho. Chorando horrores. E te peço desculpas. "Eu sei que faz só um mês que estamos juntos mas o que você fez com o nosso amor?". Por que você ficou frio e sumiu e esqueceu e secou e matou e deletou e resolveu e foi? E você diz que está trabalhando e eu me sinto idiota. Me sinto esfolada viva pelo mundo. Me sinto enganada por anjos. Me sinto inteira uma enganação. Respiro mentiras. Visto desculpas. Ajo disfarces. Porque a gente estava sim se amando mas você correu pra levantar antes a bandeira do "se fudeu trouxa, o amor não existe". Justo você que eu escolhi pra fugir comigo das feiúras do mundo. Porque você me emprestava a mão dormindo e pedia colo vendo tv e queria me fazer camarões fritos e escondia as meias suadas quando eu chegava antes do que você esperava. E você me perguntava o tempo todo se eu percebia como era legal a gente. E então, só pra fazer parte da merda universal de toda a bosta da vida, você se bandeou pro lado do impossível e se foi e me deixou como louca, escondida no jardim da agência, chorando, te perguntando pra onde foi o amor. E você riu e disse "mas eu só estou fazendo minhas coisas". E eu me senti idiota e louca e chata e isso foi muito cruel ainda que seja tão normal. Normal não me serve não encaixa não acalma. E eu achei que a gente podia ter uma bolha nossa pra ser louco e improvável e protegido do lugar comum do mundo mediano adulto das pessoas que riem e fazem suas coisas. E tudo ficou feio, até você que é lindo ficou feio. E eu quis me fazer cortes. Porque viver é difícil demais. E todo mundo me olhando, rindo, fazendo suas coisas. E daqui a pouco eu rindo e fazendo minhas coisas. E no fundo, abafado, dolorido, retraído, medicado, maduro, podre: onde está o amor? Onde ele vai parar? Onde ele deixou de nascer? Onde ele morreu sem ser? Por que eu sigo fazendo de conta que é isso. As pessoas seguem fazendo de conta que é isso. E por dentro, mais em alguns, quase nada em outros, ainda grita a pergunta. O mundo inteiro está embaixo agora do seu lindo e refinado e chique e rico prédio empresarial de milionários. Gritando nas janelas, batendo nas portas, tirando você da sua reunião: o que você fez com o amor? Esse dinheiro todo, essa responsabilidade toda, esses milhões todos, essas pessoas todas que você quer que te achem um homem. E o amor, o que você fez com ele? Enfiou no cu? Colocou na máquina de picar papel? Reaproveitou a folha pra escrever atrás? Reciclou? Remarcou pra daqui dois anos? Cancelou? Reagendou o amor? Demitiu o amor? É o amor que vai fazer você ser isso tudo e não isso tudo que você usa pra dar essas desculpas pro amor. Porque quando eu sentei no cantinho da cama e você leu seu livro de poesias de quando era criança. Porque quando você ficou nervoso porque queria me dizer que naquele minuto não estava me amando porque você acha que amor é isso além do que você pode. Amor é só o que você já estava podendo. O que você fez com esse pouco que virou nada? Com o muito que poderia virar? Eu aleijada, engessada, roxa, estropiada, quebrada, estou na porta, esperando você, por favor, me ensina, o que fazer, vou fazer o mesmo com o meu. Vou mandar junto com o seu. Nosso amor pro inferno, longe, explodido, nada. E a gente almoçando em paz falando sobre o tempo e as pessoas escrotas e o filme da semana. Bela merda isso tudo, bela merda você, bela merda eu, bela merda todos os sobreviventes que riem e fazem suas coisas e almoçam e falam de filmes. E por dentro o buraco gigante preenchido por antidepressivos, ansiolíticos, calmantes, cervejas, maconhas, viagens e mais reuniões. Pra onde foi o amor? De pé seguimos pra nunca saber, pra nunca responder, pra nunca entender. Pra onde? Você lendo o texto mais lindo da minha vida sobre o último dia morando com seus pais, você achando as moedinhas que o seu pai escondia no jardim quando você era criança, você me contando isso tudo baixinho e eu sentindo tantas milhares de coisas lindas, você falando da merda boiando e a dor dos seus fins de amor, você dormindo com seus cachinhos virados para o meu nariz, você fazendo a piada dos ombrinhos mais altos e mais baixos pra tirar sarro dos homens artistas e burocráticos, você por um mês e tanto amor. Todos os cheiros de todos os seus cantos. E agora eu louca porque não se pode sentir, porque senti sozinha, porque não se pode sentir em tão pouco tempo. Que tempo é esse quando o amor se apresenta tão mais forte e sábio que as regras de proteção? Quem quer pensar em acento flutuante quando se está voando? Quem quer pensar em pouso de emergência quando se está chegando em outro mundo melhor? E agora nada e você nada e tudo nada. O amor no planeta das canetas Bic que somem. O amor mais um como se pudesse ser mais um. O amor da vida de um mês. Você com medo de ser mais um e você único e tanto amor e tão pouco tempo. O que você fez com ele para eu nunca fazer igual? Eu prefiro ser quem te espera na porta pra entender. Eu prefiro ser quem te espera na outra linha pra entender. Eu prefiro ser a louca do jardim enquanto o mundo ri e faz suas coisas. Do que ser quem se tranca nessas salas infinitas suas pra nunca entender ou fazer que não sente ou não poder sentir ou ser sem tempo de sentir ou ser esquecido e finalmente não ser.

11 de jan. de 2011

O mafioso

Não tenho nada contra os planos.
Pelo contrário, acho planejar uma tarefa importante.
Sou adepta das expectativas.
E adoro os ritos de passagem!
Em mais um desses ritos de fim de ano velho e começo de ano novo, sempre nos pegamos planejando...
"esse ano vou ser assim assado", "vou fazer desse ou daquele jeito", "quero isso e aquilo e aquilo outro", "vou esquecer aquela coisa, vou cancelar isso aqui, vou virar essa página e começar de novo a partir dali", "quero um amor assim assim", "quero amigos que sejam e façam daquele jeito", "quanto aos amigos velhos, nos encontraremos sempre ou de vez em quando", "vou conhecer este e aquele lugar", "pretendo tantas coisas..."
É....

Aí me vem a segunda semana do ano, o movimento dos astros, as fases da lua no céu, o destino, o acaso, as coincidências, o atropelo, o efeito borboleta, a predestinação, meu santo padroeiro... sei lá! Me vem qualquer coisa DESTA vida que rege (ou não) as coisas da MINHA vida e que foge completamente ao meu controle, me esbofeteia a cara como um mafioso italiano e me ensurdece:

"Mas eu já não te disse que não adianta planejar? Ficar calculando demais, esperando, contando nos dedos, coisa e tal...?! E eu vou fazer isso repetidas e repetidas vezes pra te mostrar que você não tem mesmo controle algum sobre nada. Vê se aprende!"

O mafioso que prova de cabeça pra baixo que tudo não passa das leis da física, de ações e reações, de causalidade, consequências, que te enfia goela abaixo um movimento natural e obstinado, que te atrai como a gravidade, que te confunde como a embriaguez, que te sacode como a tempestade.

Aos planos para amanhã... não sei.
Só agora sei de mim. E só tenho noção do que quero e desejo, das minhas pulsões e impulsos. De mais nada. E que seja bom.

6 de jan. de 2011

Começando

Quinta feira de manhã. Começou a chover pouco antes de eu acordar. Tem uma goteira irritante no meu quarto. Acordei pensando... "é hoje!" Mas logo a chuva parou. Veio rápida pouco antes do amanhecer, daquele jeito proposital pra refrescar o dia. Não sei se por causa da chuva, mas hoje acordei muito bem.
Me levantei antes de o despertador tocar. Tomei um banho quente e demorado. Depois de me analisar em frente ao espelho, com uma cara de "Bom dia pancinha que eu preciso perder! Bom dia calcinha de bolinhas!", vesti um aconchegante casaco cor de rosa, coloquei meu colar novo, me perfumei e saí devagar. Gosto quando eu saio devagar, sem atrasos desesperados.
Vim no ônibus dormindo um sono bom, naquele saculejar matinal. Acho que quando eu era um bebê, minha mãe devia me sacudir bastante. Incrível a capacidade que o balançar tem de me fazer adormecer.
Cheguei ao trabalho, comi pão de queijo. Ouvi, como de praxe, os homens da construção gritarem lá de cima do prédio: "Bom dia flor do meu dia!" haha, Já disse que trabalhar perto da construção me faz rir todas as manhãs?!
Li um texto da Tati Bernardi. Ri novamente. Revoltada, tão cheia de amor e palavrões. Tão cheia de amor, tão cheia de amor...
Agora estou na minha mesa. Na enorme mesa nova que ganhei no trabalho. Tenho muito o que fazer. Mas antes disso, quis encher minha caneca de água gelada, colocar o mp3 pra carregar, escrever.
Hoje acordei lúcida, tranquila. Tanta tranquilidade em mim é raro. Acho que por isso o dia está bonito (embora eu não tenha uma janela na minha sala), por isso quero escrever.
De repente fiz uma análise rápida dos últimos meses. Entendi. Como diria a Tati, "Só quero que seja natural, simples, fácil e bom. Quero que exista alguma porra de pureza nesta vida."
Agora que já comecei bem o meu dia e que já fiz a mim mesma votos de felicidade pras próximas horas, posso então continuá-lo. Pretendo continuá-lo bem. O dia de hoje é a única coisa que tenho com certeza. Sorrisos e afetos serão bem vindos.
" Que tempo é esse quando o amor se apresenta tão mais forte e sábio que as regras de proteção? Quem quer pensar em acento flutuante quando se está voando? "

(Tati Bernardi)

4 de jan. de 2011

Das cartas que recebo...

Goiânia, 04 de Janeiro de 2011

Querida Colombina,

Dado o ano que passou, cheguei às seguintes conclusões:

- A lucidez é um trabalho árduo;
- O equilíbrio emocional é um trabalho árduo;
- Satisfazer o desejo ou negar as suas ânsias é um trabalho árduo;
- A arte é um trabalho árduo

Sumo: viver - e conviver - é um trabalho árduo. Fazê-lo leve pode ser um trabalho árduo, mas necessário. Não devemos ser tocados apenas pelo bonde da necessidade. É preciso ter graxa. É preciso ter graça. Chaplin está conosco, basta encontrá-lo.

Abraços,

Eg.


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Goiânia, 04 de Janeiro de 2011,

Querido Eg,

Concordo com cada vírgula!
Tenho me dedicado dia após dia a esse trabalho árduo! Como você pôde ler minhas angústias tão facilmente?
Viver com leveza é a coisa mais difícil do mundo!
Sem se sentir ameaçado a cada frase, desconfiado do mundo, sem tensionar os afetos ou ansiar expectativas.
Minha busca em 2011 é pela leveza!
Com trabalho árduo e perseverança, a gente consegue! Chaplin olha e espera por nós!

Abraços,

Colombina.


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Goiânia, 04 de Janeiro de 2011,

Colombina...

... Se há algo que tenho razoável consciência é que o ser humano é incompleto, imperfeito e surpreendente.
No engenho de conflitos diários dizemos o nome, o endereço e o corpo. Ora, somos circenses. Ora, vendedores de banana. Ora, um magnata no centro da mansão pedindo por mortadela e queijo.
Queremos, por instantes, mudar de Pessoa - e ser apenas Camila.


Eg


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Goiânia, 04 de Janeiro de 2011,

Eg,

Assim sou! Incompleta, imperfeita e surpreendente...! Metamorfose ambulante, coração gigante, vontade de amar, alguma dureza, algo que erra, começa de novo, acerta...! Leve ou não... Assim somos todos!


Colombina.


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Goiânia, 04 de Janeiro de 2011,

C....

Não lhe conheço mais que rápidas palavras no intermezzo das coisas, e mediante poucos contatos em que pude lhe ver expor ideias, criações próprias, projetos. Mas sinto que tenho informações suficientes para lhe dar, pessoalmente, um jugo: você é bastante interessante. Possui uma farta potência para inventar um destino - e para desatar mil nós. E no novelo do mundo, ir, leve, costurando a sua vida com flor na face.

Abs,

Eg


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Goiânia, 04 de Janeiro de 2011,

Eg,

Por fim, suas palavras reconfortantes abraçam o meu dia.
Hoje acordei palpitante, pulsante, me encurralando em meus próprios muros de exigências. Encurralando as pessoas que amo em meus dedos severos.
Bom saber que posso ser errante, e que não há nada de errado! Saber e usar da minha potência em invetar destinos e costurar a vida em flor!
É de gente como nós e dos nossos devaneios que se faz poesia!
Aos meus amores, brindo!

Colombina.

2 de jan. de 2011

Benditas

(Mart´nália)

Benditas as coisas que não sei
os lugares onde não fui
os gostos que não provei
meus verdes ainda não maduros
os espaços que ainda procuro
nos amores que nunca encontrei
benditas as coisas que não sejam benditas

A vida é curta mas enquanto durar
posso durante um minuto ou mais
te beijar pra sempre
o amor não mente,
não mente jamais
e desconhece
no relógio o velho futuro
o tempo escorre num piscar de olhos
e dura muito além
dos nossos sonhos mais puros

Bom é não saber
o quanto a vida dura
ou se estarei aqui
na primavera futura
posso brincar de eternidade agora
sem culpa nenhuma

Benditas coisas que não sei
os lugares onde não fui
os gostos que não provei
meus verdes ainda não maduros
os espaços que ainda procuro
nos amores que nunca encontrei
benditas coisas que não sejam benditas