Era cedo e estava acordada. Com insônia, mas com vontade de
dormir. Com olhos confusos e inchados por ter chorado. Ela era assim mesmo, de
chorar. Tentar entender. Seria entender mesmo necessário? “Estamos todos mais
sensíveis, por isso, que tal dar mais do que exigir receber?” Mas ela sabia que
vinha oferecendo tudo que podia, tudo que tinha no seu estoque de coisas a
serem oferecidas... ela passou os últimos meses oferecendo doses homeopáticas
de sentimento e cuidado, de palavras doces e afeto. Compartilhava interesses,
palavras, sorrisos, novidades, momentos. Ela é intensa e exagerada. Não tinha
muitos limites para o que podia entregar. Podia escancarar tudo e dar de
bandeja até os seus pensamentos de “dez reais”. Ela é assim. Ponto. Abriu o
peito feito uma colcha de retalhos sobre a mesa, pronta pra que ele entrasse no
seu mundo e fizesse parte de seus dias de sol.
Começou a pensar sobre ele... Pra isso precisou abrir os
olhos, botar uma música blasé na vitrola e beber algo, naquela boca seca. Abriu
a janela pra que o sol cegasse seus olhos borrados e fizesse reluzir a
cafonisse daquela cara amassada de quem chegou de madrugada e chorou com a cara
enfiada no travesseiro. (Não adiantou chorar).
Mas voltando aos pensamentos... iam e vinham... sempre com
ele no foco... seu sorriso fácil e debochado, as suas costas que não achava em
nenhum outro por aí. Não era simples
compreender ou tentar compreender o que ele podia dar, e o que simplesmente não
estava ao seu alcance, ou o que simplesmente ele não queria dar a ela. Ele achava que
tudo tinha que ser grande, que não se podia oferecer pequenas coisas como mãos
dadas e beijinhos na ponta do nariz. Ele se recusava. Repetidas e repetidas
vezes. E ele foi se tornando tão complexo, enigmático, confuso, ele foi ficando
longe. Os dois foram ficando distantes um do outro...Ele sempre consegue empurrá-la pra longe.
Nessas horas ela queria acender um cigarro. Cigarros fazem
companhia.
Ontem ele disse algo que magoou. Disse pra ferir. Pra
tripudiar sobre tudo o que ela fazia até então, que era só gostar. Essas
palavras passaram a noite toda ecoando, repetindo, ensurdecendo. Ela não conseguiu
dormir. Era cedo e estava acordada. E ele não mais a machucaria assim. Por favor, Deus! Não mais!
Um comentário:
Dar demais é sempre um perigo. Desses perigos gostosos de sofrer, necessários para pessoas como eu, como você.
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